Sunday 20 September 2009

o “gem” altruísta

Estou lendo um livro famoso chamado The Selfish Gene. Não sei se foi traduzido para o português. Eu procurei no google e não achei. É possível que eu tenha traduzido o título erroneamente, mas não consigo pensar em nenhuma outra alternativa para o óbvio O Gem Egoísta. Seu autor, o biólogo inglês Richard Dawkins, argumenta que gens são a unidade mais irredutível de hereditariedade no processo de seleção natural e, portanto, de evolução Darwiniana. Gens têm um objetivo único na vida: seguir vivendo em outros organismos futuros, de preferência eternamente. Nas páginas iniciais do livro, Dawkins oferece definições de egoísmo e altruísmo, para que, quando mais adiante, essas palavras cruciais para seu livro forem utilizadas, o leitor saiba exatamente ao que ele se refere. Sua definição é de altruísmo comportamental, e não altruísmo enquanto uma noção subjetiva. Quando um ser vivo, por exemplo, comporta-se de uma maneira que aumenta as chances de sobrevivência de outro animal às custas de suas próprias chances de sobrevivência, esse ser comporta-se de maneira altruísta. Comportamento egoísta seria o exato oposto.

Dawkins define gem como “qualquer porção de material cromossômico que potencialmente dura um número suficiente de gerações para servir como uma unidade de seleção natural[minha tradução]”. Gens existem dentro de organismos vivos, que perecem, mas passam seus gens adiante, contanto que consigam procriar. Ha dois riscos para os gens. O mais óbvio é a morte de um organismo antes de que haja produzido prole. Isso não leva necessariamente à “morte” de um gem, pois é possível (e muitas vezes provável) que o mesmo gem encontre-se presente em outros organismos mais bem sucedidos. O outro risco é o gem não “sobreviver” ao processo de procriação. Ou seja, no longo processo que leva à geração de um novo ser vivo há vários momentos em que, potencialmente, todo gem é passível de ser eliminado do campeonato da existência. A formação de óvulos e zigotos é o único instante em que os cromossomos de cada um dos pais misturam-se. Tomando o ser humano como exemplo, todos nós temos 46 cromossomos: 23 do pai e 23 da mãe. São linhas paralelas que não se misturam. Mas quando os óvulos e zigotos formam-se os cromossomos são embaralhados como cartas (comparação de Dawkins). Os 23 cromossomos do pai são um patchwork do DNA dos avós paternos, e o mesmo vale para a mãe. Porém, cada zigoto e cada óvulo são únicos. Daí os riscos iniciais para a sobrevivência dos gens no processos de procriação. Para finalizar esse argumento bem geral basta dizer que a concepção de um novo ser vivo é a maior de todas as loterias.

Vida de gem não é fácil. Do ponto de vista do gem, vale tudo. Gens colaboram uns com os outros, mas só se isso for útil para sua existência futura em outros organismos vivos, contruídos por gens. Dawkins argumenta que, dados esses fatos, egoísmo é uma vantagem para um gem.

Um dos méritos principais do livro The Selfish Gene é esclarecer para o público leigo certas obscuridades que aconteceram de propagar-se no que se refere à Teoria da Evolução. Evolução é um fato. Os fósseis coletados e datados até hoje e, sobretudo, a genética molecular não deixam dúvida. A outra parte, ou continuação, da teoria de Charles Darwin é Seleção Natural. A frase inteira é Evolução das Espécies por Seleção Natural. Ninguém (com a excessão de religiosos fundamentalistas e pessoas mal informadas) discute mais a validade da Teoria da Evolução. Mas Seleção Natural ainda encontra seus detratores mesmo dentro da comunidade científica. Devo acrescentar apenas que Seleção Natural segue sendo a mais resistente e duradoura de todas as teorias apresentadas, ou, em outras palavras, a melhor. O que Richard Dawkins busca transmitir aos seus leitores é do que consiste Seleção Natural. Vou resumir em uma sentença. A seleção natural que ocorre não é de indivíduos e tampouco de grupos de indivíduos, mas de gens. Se você é, digamos, alto ou tem olhos azuis, talvez considere que seus gens foram foram generosos com você. Não se iluda: seus gens não se importam com você. Tudo que eles querem é que você cresça e produza novos indivíduos. Sua morte, depois desse ponto, não será de maneira nenhuma sentida.

Ainda não acabei de ler o livro, mas tenho uma idéia de onde ele está indo. Do ponto de vista dos gens, egoísmo, como definido por Dawkins, é uma necessidade. Quando o que está em jogo é a sua sobrevivência – e sobrevivência é tudo que está em jogo – o gem não “pensa” duas vezes. Mas do ponto de vista de certos indivíduos esse nem sempre é o caso. Seleção Natural, impulsionada por minúsculas entidades egoístas, pode perfeitamente levar a altruísmo.

Muitos inimigos da Teoria da Evolução (inimizade à Teoria da Evolução é como inimizade ao fato do céu ser azul) argumentam que algumas das piores coisas que aconteceram na primeira metade do século vinte podem e devem ser associadas à Teoria da Evolução. A política eugênica de Adolf Hitler é o exemplo mais sinistro. Richard Dawkins escreveu e falou muito sobre o assunto. Vale a pena ler e ouvir. Por outro, lado basta dizer que Hitler era ignorante, além, obviamente, de todas as outras coisas que ele era também. The Selfish Gene oferece uma abordagem inteligente, sofisticada, bem informada e ocasionalmente humorística da questão da Teoria da Evolução versus moralidade. Há muito mais a ser dito. Muito mais foi dito: The Selfish Gene foi o primeiro livro que Dawkins escreveu. Desde então (1976) muitos outros seguriram-se. E, além do mais, há muitas outras pessoas coloborando nesse debate tão importante. É a minha novela da oito.

2 comments:

  1. Interessante e lúcida a teoria. Muito boa a forma como você descreve o tema do livro.
    Bjs
    Pai

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  2. Puxa, andré, que coincidência... Ontem começamos a assistir um documentário de 3 capítulos sobre Darwin, que passou na BBS. Super interessante. Vou procurar esse livro por aqui. Já deu vontade de ler.
    O documentário chama-se Darwin's dangerous idea.
    Beijos
    Tia Zane

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